« Na paragem de autocarro em frente do Hospital de Santo António, uma criança rezingona - um menino em altos brados - provocava na mãe, que lhe dava a mão, a maior das vergonhas aparentes. É o normal: inquietam-se com muita facilidade, não porque são menos resistentes, mas porque não sabem ainda camuflar aborrecimentos e tédios, não usam artimanhas ou esquemas para disfarçar para os outros que está tudo bem (a não ser em proveito próprio, que essa estirpe existe já com um sentido de gestão emocional dos pais de grande calibre). É uma virtude que, fora alguns casos futuros, não se deveria esmorecer.
Como a criança não acalmava e, tendo em conta o repúdio dos olhares pelo amordaçar da pequenada, a mão enveredou pela valente bofetada na bochecha, acção há muito aceite como lugar-comum. Mulheres enrugadas e outras viçosas acenavam afirmativamente. “Há males que vêm por bem. Ajuda a crescer”, dizia uma senhora inchada. A criança rebentou numa explosão de choro, daqueles incomodativos de tão estridentes. Um saudoso professor de filosofia, se presente, manifestaria a sua desilusão pelo insistente desvio do correcto sítio destinado para endireitar o comportamento ruim: o rabo. “A estrutura anatómica concebida para, entre outras coisas, receber o castigo parental”, diria, ajeitando a gravata.
No cruzamento de memórias espiraladas, assomou novamente a criança à visão. Não havia lugar para mais choro. Chegou o autocarro em que entrou ordeiramente com a mãe e, pouco antes do veículo arrancar, já distribuía sorrisos e caretas à progenitora de cara terna.
O esquecimento é, de quando em vez, uma boa virtude também. »
Como a criança não acalmava e, tendo em conta o repúdio dos olhares pelo amordaçar da pequenada, a mão enveredou pela valente bofetada na bochecha, acção há muito aceite como lugar-comum. Mulheres enrugadas e outras viçosas acenavam afirmativamente. “Há males que vêm por bem. Ajuda a crescer”, dizia uma senhora inchada. A criança rebentou numa explosão de choro, daqueles incomodativos de tão estridentes. Um saudoso professor de filosofia, se presente, manifestaria a sua desilusão pelo insistente desvio do correcto sítio destinado para endireitar o comportamento ruim: o rabo. “A estrutura anatómica concebida para, entre outras coisas, receber o castigo parental”, diria, ajeitando a gravata.
No cruzamento de memórias espiraladas, assomou novamente a criança à visão. Não havia lugar para mais choro. Chegou o autocarro em que entrou ordeiramente com a mãe e, pouco antes do veículo arrancar, já distribuía sorrisos e caretas à progenitora de cara terna.
O esquecimento é, de quando em vez, uma boa virtude também. »
(Meio Ano..*)
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