"É  muito fácil confundir o banal com o precioso quando surgem simultâneos e quase  sobrepostos. Essa é uma das mil razões que confirma a necessidade da  experiência. Viver é muito diferente de ver viver. Ou seja, quando se está ao  longe e se vê um casal na caixa do supermercado a dividir tarefas, há a  possibilidade de se ser snob, crítico literário; quando se é parte desse casal,  essa possibilidade não existe. Pelas mãos passam-nos as compras que escolhemos  uma a uma e os instantes futuros que imaginámos durante essa escolha: quando  estivermos a jantar, a tomar o pequeno-almoço, quando estivermos a pôr roupa  suja na máquina, quando a outra pessoa estiver a lavar os dentes ou quando  estivermos a lavar os dentes juntos, reflectidos pelo mesmo espelho, com a boca  cheia de pasta de dentes, a comunicar por palavras de sílabas imperfeitas, como  se tivéssemos uma deficiência na fala.
Ter  alguém que saiba o pin do nosso cartão multibanco é um descanso na alma. Essa  tranquilidade faz falta, abranda a velocidade do tempo para o nosso ritmo  pessoal. É incompreensível que ninguém a cante.
As  canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo,  que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor  também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes  maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e  fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos  que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem.
Havemos  de engordar juntos."

Lindo excerto =)*
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